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A brasileira apaixonada por plantas assume um dos mais importantes jardins botânicos do mundo


Na madrugada de 12 de setembro, às 4 horas, a bióloga paulista Lúcia Lohmann já estava diante do computador, em seu quarto de hotel em St. Louis, no Missouri, uma das principais cidades do meio-oeste americano. Ela havia dormido apenas três horas e tentava responder a avalanche de e-mails que se acumulava desde o início da semana.

Eram mensagens de felicitações por sua conquista profissional mais recente: a presidência do Missouri Botanical Garden, um dos três jardins botânicos mais importantes do mundo.

Aos 50 anos, Lúcia é a primeira mulher e a primeira latino-americana indicada para o cargo. Fundada em 1859, a instituição sempre foi comandada por homens norte-americanos ou europeus — até janeiro de 2025, quando a brasileira assume o posto, “depois de uma extensa busca internacional”, como se lê no site da entidade.

Com oito milhões de coleções de plantas, de todos os cantos do mundo, em relação ao tamanho do herbário, o Missouri Botanical Garden costuma ser colocado ao lado dos jardins botânicos de Londres e de Nova York.

“Além disso, aqui ainda é um centro de pesquisa, treinamento e comunicação científica não só na área botânica, mas também em termos de horticultura”, diz Lúcia, em entrevista ao NeoFeed. “É um centro de estudos com projetos em várias regiões da África e da América Latina, que faz pesquisas para documentar a biodiversidade, orientar políticas públicas e até sugerir prioridades para os governos.”

O Missouri Botanical Garden tem uma equipe com cientistas de 35 países, de seis continentes. “Ele não chama atenção apenas pela beleza”, Lúcia faz questão de frisar. “Há materiais de cultivo associados à preservação, banco de sementes, espécies em extinção e um borboletário. Há programas de treinamento com outras universidades e com empresas. É uma instituição muito sólida, com 165 anos de pesquisa.”

Lúcia se mudou para os Estados Unidos há um ano para assumir a direção do herbário da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e atuar como professora titular do Departamento de Biologia Integrativa. Como presidente do Missouri Botanical Garden, ela também passa a dar aulas na Universidade de Washington, em St. Louis, à qual o jardim botânico está associado.

“Pode parecer incrível, mas St. Louis é um hub em botânica no mundo!”, diz a bióloga. “A missão do jardim é descobrir e partilhar conhecimentos sobre as plantas e seu ambiente, de forma a preservar e enriquecer a vida.”

Formada pelo Instituto de Biociências, da Universidade de São Paulo (USP), Lúcia é professora do Departamento de Botânica, de onde se licenciou para assumir o trabalho nos Estados Unidos. Mas ela  não tem planos de se afastar nem do Brasil nem da USP.

“Entendo que assumir essa posição, onde serei a primeira latino-americana, uma pessoa que conhece e entende as questões ambientais e sociais da América Latina, da África, da Ásia e das regiões tropicais, abre uma perspectiva de maior integração”, diz ela. “Porque a nossa pesquisa hoje é global, não tem fronteiras. Então, ter pessoas do Brasil só fortalece a integração e internacionalização de nossos programas de parcerias. Eu passei 30 anos na USP, 20 deles como professora e continuarei sempre conectada com a USP e com as pesquisas que se fazem lá.”

A menina apaixonada por plantas

Casada há 20 anos, Lúcia tem três filhas: as gêmeas de 15 anos e a caçula de 13. Estudou no Colégio Santa Cruz, um dos melhores de São Paulo, e cresceu numa família de acadêmicos, integrantes da elite intelectual paulistana há mais de um século. O avô, Lucas Nogueira Garcez, engenheiro formado pela Escola Politécnica, também da USP, foi governador de São Paulo entre 1951 e 1955.

Durante as comemorações do Quarto Centenário da capital paulista, em 1954, ele fundou a OSESP (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) e criou o Parque do Ibirapuera, cujo projeto arquitetônico é de Oscar Niemeyer. Daí seu nome batizar o Pavilhão Lucas Nogueira Garcez, conhecido por todos como Oca.

“Somos mais de 20 professores da USP na família. Cada um numa área, de humanas a exatas”, orgulha-se Lúcia. “Minha avó materna tinha oito irmãs e todas fizeram universidade, acredita? Ela nasceu em 1913 e era matemática.”

Lúcia se mudou para os Estados Unidos há um ano, quando foi convidada para dirigir o herbário da Universidade da Califórnia, em Berkeley (Arquivo Pessoal)

O interesse pela botânica vem da infância, com as brincadeiras na área de Mata Atlântica, da chácara do avô (Arquivo Pessoal)

O espírito aventureiro levou Lúcia a diversas viagens pelo Brasil remoto, como essa pelo rio Negro (Arquivo Pessoal)

Fundado em 1859, o Missouri Botanical Garden é um dos três jardins botânicos mais importantes do mundo (Reprodução missouribotanicalgarden.org)

A paixão pela botânica está em sua vida desde criança, quando sua diversão preferida era passear por uma grande área de Mata Atlântica, na chácara do avô, em São Roque. Seu parceiro era o irmão Frederico Lohmann, atual diretor-executivo do teatro Cultura Artística.

Talvez aí tenha ganhado força seu espírito aventureiro, que a levou a realizar diversas expedições pelo Brasil remoto. Aos 16 anos, no ensino médio, fez as primeiras viagens para o Pantanal, Parque das Emas e outros parques nacionais. “Naquele momento decidi que queria ser botânica”, conta.

Seis costelas quebradas

A primeira ida à Amazônia foi em 1993 durante a graduação: “A Amazônia pegou meu coração”. Em 2001, já formada, viajou pelo Acre, durante um mês, em uma voadeira. “Sabe aqueles barcos sem teto, só com três assentos? O senhor Edilson me acompanhava e a gente ia coletando plantas pelos rios”, lembra. “Como é uma região com muita onça, a gente levava nossa rede e à noite buscava uma casa de seringueiro para dormir.”

A comida, o “rancho”, ficava em um saco de farinha —latas de sardinha, salsichas, goiabada, biscoitos para durar todo o mês. “A gente chegava nas casas de seringueiros e muitas vezes eles diziam: ‘Ô dona, que bom que a senhora chegou. Pode ajudar a cozinhar esta paca?’ E eu preparava o jantar”.

Outra expedição inesquecível foi para o Suriname com cinco pesquisadores. Para fazer a coleta de plantas, eles tiveram de andar durante três dias para chegar ao topo do Tepui Tafelberg, uma das montanhas mais altas do país.

Fruto de uma parceria entre a USP e o exército brasileiro, a mais recente aconteceu em 2022 e teve como destino a Serra do Imeri, no Planalto das Guianas, fronteira do Brasil com a Venezuela, em um local onde nem os ianomâmis tinham estado.

“Um dia caí de uma árvore onde estava coletando frutos e acabei quebrando seis costelas”, conta, divertida, depois de permanecer vários dias no meio do nada e esperar mais de uma semana até chegar a um centro médico, onde pudesse fazer uma radiografia.

Essas adversidades, que assustam a maioria, não a desanimam. Receio? Que nada! “Muita gente me pergunta se não sinto medo de ir para esses lugares” conta Lúcia. “É o contrário. É onde me sinto mais segura.”





Fonte: Neofeed

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