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As bombas-relógios que estão “implodindo” os efeitos da reforma da Previdência


Uma das boas notícias com a aprovação da reforma da Previdência Social em 2019, após quase três anos de discussões, foi a certeza de que o novo sistema permitiria um alívio nas contas públicas por pelo menos mais uma década. O lançamento de um livro e de um documentário sobre o tema nos próximos dias, no entanto, trouxe de volta o debate sobre a necessidade de uma nova reforma da Previdência.

Desta vez, uma reforma mais ampla e com ajustes duríssimos, que tenham como objetivo transformá-la “num regime único menos desigual, menos ambicioso e mais realista”, nas palavras de Hélio Zylberstajn, livre-docente da Faculdade de Economia da USP e pesquisador da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).

Para se ter uma ideia do senso de urgência de uma nova reforma entre os especialistas, já se fala até de um prazo-limite de 2027 para evitar o colapso de pagamento de benefícios da Previdência. O modelo de Previdência Social adotado no Brasil sempre foi alvo de críticas, pois paga benefícios muito baixos para quem mais precisa, as camadas pobres da população, e altíssimos para as elites do funcionalismo público, entre outras distorções.

A reforma de 2019 da Previdência Social foi importante por reduzir o ritmo de crescimento dos gastos previdenciários que estavam inviabilizando o equilíbrio fiscal do governo, empurrando para frente outros ajustes.

Dois fatores principais, no entanto, estão encurtando o prazo de validade do atual modelo. Um deles decorre de uma constatação dupla, revelada com a divulgação gradual do Censo 2022 pelo IBGE: o envelhecimento da população brasileira e as transformações do mercado de trabalho.

Isso significa crescimento de aposentados potenciais simultaneamente à redução da quantidade de jovens como contribuintes, uma vez que estes estão cada vez em menor número em empregos com carteira assinada, fonte de contribuição para o regime geral da Previdência.

Outro fator recente é o efeito nas contas da Previdência depois da aprovação no Congresso Nacional, no ano passado, do projeto de lei do governo de Luiz Inácio Lula da Silva que definiu a nova política de valorização do salário-mínimo, com reajustes acima da inflação.

O tamanho da conta começou a ganhar forma em abril deste ano, quando saiu o primeiro aumento do mínimo (de 6,7%) seguindo a fórmula, que prevê reajuste pela inflação de 12 meses até novembro do ano anterior mais a variação do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes.

O impacto imediato nas contas públicas foi de R$ 35,3 bilhões, afetando mais 60% dos benefícios previdenciários. Isso porque dois terços dos benefícios variam de acordo com o salário-mínimo – e o aumento de R$ 1 acarreta gasto adicional previdenciário de R$ 392 milhões.

Despesas em alta

O economista Fabio Giambiagi, pesquisador do FGV Ibre e especialista no tema, adverte que boa parte do ganho obtido com a redução de gastos públicos com a reforma de 2019 está ameaçado com a política de valorização do salário-mínimo.

Segundo ele, o que se pretendia com a reforma de 2019 era que a despesa dos benefícios previdenciários não crescesse tanto e o piso da Previdência Social em relação ao PIB pudesse cair num processo de crescimento da economia, compensando um pouco o que tinha acontecido nos anos anteriores.

A despesa previdenciária, porém, tende agora a crescer pela pressão demográfica na mesma velocidade que tinha até 2019. Isso, somado ao efeito da regra de aumento do salário-mínimo com base na inflação, começou a pesar no caixa da Previdência.

“Precisamos ao menos acabar com essa “superindexação” das aposentadorias vinculadas ao salário-mínimo e idealmente fazer uma reforma em 2027”, diz Giambiagi, que lança na próxima segunda-feira, 3 de junho, no Rio de Janeiro, o livro A Reforma Inacabada – O Futuro da Previdência Social no Brasil (Alta Books).

Escrito em parceria com o economista e cientista político Paulo Tafner, pesquisador associado da Fipe, o livro propõe uma série de reformas necessárias nos setores público e privado para tirar o sistema da insolvência.

Giambiagi admite que, politicamente, é difícil avançar na discussão de uma eventual desvinculação de benefícios previdenciários e sociais dos reajustes do salário-mínimo. Mas adverte que a médio prazo será necessária uma reforma da Previdência ou um relaxamento da regra fiscal, com consequências para o próprio governo.

“Se o presidente Lula for reeleito e não tocar nisso, seu segundo mandato terá uma cara parecida com o Dilma 2 em matéria fiscal”, afirma Giambiagi.

No livro, os autores sugerem, entre outras mudanças, uma reforma que contemple elevação de aposentadoria por idade dos homens, de 65 anos para 67 anos, redução de 3 anos para 1 ano na diferença de idade de aposentadoria de homens e mulheres (hoje, 62) e também entre trabalhadores urbanos e rurais (que se aposentam com 55 anos).

Gasto insustentável

Para Zylberstajn, da Fipe, a desvinculação do aumento do salário-mínimo à inflação é um dos problemas da Previdência, mas não o único.

Ele afirma que os gastos atuais tendem a ficar insustentáveis, uma vez que todos os benefícios da Previdência – INSS, funcionários públicos, benefícios rurais e de pobreza – consomem anualmente 12% do PIB.

“O nível de gasto é igual ao da Alemanha e países nórdicos, países que envelheceram depois que se tornaram ricos. E esse gasto do PIB vai aumentar ainda mais com a vinculação do salário-mínimo à inflação”, diz.

Zylberstajn argumenta que o atual modelo condena o sistema de repartição e amplia as desigualdades, como os privilégios para os servidores públicos e militares. Boa parte dessas duas categorias se aposenta recebendo o teto do benefício, R$ 7.507, que corresponde a mais do dobro da renda média do trabalhador brasileiro.

“Por isso, precisamos de reformas estruturais e não paramétricas, ou seja, seria necessário mudar o sistema como um todo, com prazo de transição para não prejudicar os atuais contribuintes”, adverte Zylberstajn.

No longo prazo, há outra bomba-relógio a caminho, o chamado “fator MEI”, numa referência aos microempreendedores individuais, que somam 15,7 milhões e pagam contribuição previdenciária de apenas R$ 70,60 por mês.

A categoria vai agravar ainda mais o caixa da Previdência quando se aposentar, pois não terá contribuído na mesma proporção do benefício que vai receber como aposentado.

O desenho de uma nova Previdência defendido pela Fipe prevê a adoção de um sistema não contributivo, com uma renda básica (na faixa de R$ 800) para todo idoso que atingir a idade de aposentadoria, tendo ou não contribuído para o INSS.

A complementação de renda viria pelo sistema de repartição para todos os trabalhadores com carteira, funcionários públicos e militares, mas com benefício máximo igual à renda média dos brasileiros (R$ 3 mil), além do FGTS como existe hoje, mas com uma taxa de juros de mercado, e estímulo à previdência privada.

Sobre esse último item, uma constatação: o relatório Raio X do Investidor, divulgado, em 2023, pela Anbima, apontou que quase 82% da população não tem qualquer tipo de reserva financeira para aposentadoria.

Esse, por sinal, é o mote do documentário “INSS – a Bomba relógio do Brasil”, produzido pela plataforma Ações Garantem o Futuro (AGF) – criada há cinco anos para disseminar a estratégia de investimentos de Luiz Barsi Filho, o maior investidor individual da bolsa de valores no Brasil.

O documentário, que será disponibilizado no próximo dia 10 de junho no canal do Youtube da AGF, discute os principais gargalos da Previdência, com participação dos economistas Eduardo Giannetti, Mansueto Almeida e Ana Carla Abrão, chefe de Novos Negócios da B3, além de intervenções de Giambiagi, Tafner e Zylberstajn. Um dos objetivos é discutir a segurança da renda no futuro dos brasileiros.

“Queremos conscientizar sobre a importância da educação financeira e da necessidade de uma cultura de investimentos, via mercado de ações, capaz de proporcionar liberdade financeira e tranquilidade no momento da aposentadoria”, afirma Felipe Ruiz, CEO do AGF.

Apesar do senso de urgência, os especialistas admitem que uma nova reforma da Previdência depende mais de condições políticas do que de evidências econômicas.

“Nossa modesta pretensão é dar o pontapé inicial para o segundo tempo da reforma”, afirma Giambiagi, pesquisador do FGV Ibre. “O debate está começando, para que seja discutido nos próximos anos.”



Fonte: Neofeed

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