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Líder indígena: garimpo chegou a novas áreas de yanomami nos últimos anos | Agência Brasil

A invasão de garimpeiros às terras onde vivem o povo yanomami, isto é, o oeste de Roraima e o norte da Amazônia, não é um fenômeno novo. Na década de 70, iniciativas do governo estimularam o garimpo na região. Na década de 80, veio a “corrida do ouro”.imagem22-02-2023-11-02-06imagem22-02-2023-11-02-06

Mas foi nos últimos anos que o garimpo ilegal chegou a outro nível, avançando por territórios que, até então, ainda se mantinham livres da atividade de exploração de ouro, segundo júnior Hekurari Yanomami, um líder indígena ouvido pela reportagem do Brasil Brasil de Comunicação (EBC).

Junior Hekurari é presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami (Codisi-YY) e da Associação Urihi-Yanomami. Ele tem sido voz ativa na tentativa de resolver a situação humanitária de emergência de seu povo.

O líder calculou que o garimpo “sempre existiu” em algumas áreas do território yanomami mas que desde 2019, a situação piorou muito. ” Na Uraricoera, sempre teve algumas balsas. Foram cerca de dez. Também não passaram de 2 garimpeiros na terra indígena yanomami antes de 2016, 2017. Em 2019, entrei nas comunidades, principalmente Parima, Xited, Homoxi. Eu fiz a educação, reuniões de saúde. Nós não vimos [garimpo] como é agora. Em 2020, durante [a pandemia de] covid-19, avançou muito, mesmo na comunidade Keta “, diz Júnior.

De acordo com ele, recentemente foi aberta uma estrada que vai até a nascente do Rio Mucajaí, que piorou muito a situação” Foi um dano total. Nestas comunidades não tinha garimpeiros em 2019. Quando eu fui lá em 2021, pensei: ‘meu Deus, o que aconteceu aqui?’.

Júnior conta que a chegada do acampamento começou a gerar novos problemas para as comunidades que ainda não conheciam esse tipo de invasão.

Boa Vista (RR), 14.02.2023, Presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana-Condisi-YY, Junior Hekurari Yanomami, fala sobre a questão dos indígenas Yanomami no Distrito Sanitário Indigenista Yanomami e Yek’uana-DSEI YY. – Rovena Rosa / Agência Brasil

” Um pajé que morou na comunidade de Xitou fugiu por causa da presença dos garimpeiros. Ele não podia fazer pajelança. Foi muito barulho dos motores. O garimpo ficou a 50 metros [da comunidade]. Como você vai conseguir se concentrar e fazer ritual? Ele [chegou a fazer] uma reunião. Algumas comunidades ganharam muitas armas de fogo [dos garimpeiros], tais como espingardas, pistolas. Essa liderança foi contra e foi embora para a região do Minaú. No Minau, não tem [garimpo] “, Júnior conta, acrescentando que hoje são poucas áreas de yanomami grátis do garimpo.

A report divulgada em abril de 2022, pela Associação Hutukara Yanomami, liderada por Davi Kopenawa Yanomami, e pelo Instituto Socioambiental, organização não governamental (ONG) de defesa dos direitos indígenas, com base em dados coletados no ano anterior, mostrou que 2021 foi, até então, o ano de posterior destruição desencadeada pelo garimpo ilegal na região.

” sabe-se que o problema do garimpo ilegal não é uma novidade na TIY [Terra Indígena Yanomami]. No entanto, sua escala e intensidade cresceram de maneira impressionante nos últimos cinco anos. Dados da Mapbiomas [land-use mapping NGO] indicam que, a partir de 2016, a curva de destruição do garimpo assumiu uma trajetória ascendente e desde então acumulou taxas cada vez maiores. Nos cálculos da plataforma, de 2016 a 2020 o garimpo em TIY cresceu nada menos que 3,350%, ” informa o relatório.

De acordo com o documento de Hutukara, somente de 2020 2021, a destruição desencadeada pelo garimpo em TIY cresceu 46%. “Esse é o maior crescimento observado desde que iniciamos nosso monitoramento em 2018, e, possivelmente, a taxa anual mais alta desde a demarcação de TIY em 1992”, destaca o relatório. “O garimpo não só vem crescendo em área, mas também vem se alastrando para novas regiões do território yanomami”.

O relatório mostra que entre as áreas com maior incremento do garimpo ilegal nos últimos anos estão Waikás, Homoxi, Kayanau e Xited. Em XI, o crescimento foi de 1,000% de um ano para outro. Algumas áreas não apresentaram nenhum grau de degradação por garimpo em 2020 e passaram a se registrar no ano seguinte, como Auaris (na extremidade noroeste de Roraima), Parafuri e Waputha.

Uma nova pesquisa feita por Hutukara e o Instituto Socioambiental mostrou que o garimpo ilegal avançou ainda mais no ano seguinte. Imagens de satélite revelaram crescimento de 54% no desmatamento, provocado por extração de ouro na Terra Indígena Yanomami de 2021 2022. 

Radar na Amazônia

De acordo com a Comissão Pró-Yanomami (CCPY), ONG criada na década de 70 para defender essa população indígena, em 1975 o projeto Radar na Amazônia (Radam) descobriu depósitos de minerais como estanho, cobre, níquel, zinco, prata e diamante, além de cassiterita e ouro.

Logo depois, começa um influxo de garimpeiros para a terra indígena, em especial para a área de Surucucu, para explorar os depósitos de cassiterita, com o apoio de pistas de pouso que foram abertas por lá.

Ao mesmo tempo, o governo militar começava a implantar seus planos de integração nacional na região, com a inauguração de uma rodovia, a Perimetral Norte, e programas de colonização da área por pessoas não indígenas. A própria Companhia Vale do Rio Doce, na época uma empresa estatal, também chegou a fazer prospecções naquela terra.

Conflitos com o napëpë

Aquele primeiro contato já gerou os primeiros conflitos e problemas para o povo yanomami, uma etnia que vivia relativamente isolada até então (apesar dos primeiros contatos com o napëpë, ou “white-white” ocorreram na primeira metade do século 20).

Surucucu (RR), 11.02.2023 GARIMPO: ação coordenada por parte do governo federal no território Yanomami encontra comunidade de indígenas isolados (Moxihatëtë). Eles vivem a apenas 15 km de um ponto de garimpo. Surucucu (RR), 02/11/2023-GARIMPO: ação coordenada por parte do governo federal no território Yanomami encontra comunidade de indígenas isolados (Moxihatëtë). Eles vivem a apenas 15 km de um ponto de garimpo. – LEO OTERO/MPI

De acordo com a CCPY, o contato dos primeiros garimpeiros tem causado a disseminação de doenças venéreas, tuberculose, surtos de gripe e mortes entre os yanomami. As cordas do povo indígena também começaram a ser atacadas pelos invasores, em busca de comida.

Em 1980, de acordo com a Comissão Pró-Yanomami, o ouro é descoberto na região do Ericó, atraindo mais de 5 homens apenas no garimpo de Santa Rosa. O influxo de garimpeiros para a terra yanomami continuou ao longo da década de 80 e culminou no que o Instituto Socioambiental, outra ONG de proteção indígena, classificou como uma “corrida do ouro”, entre 1987 e 1990.

Isso, mesmo que o governo federal tenha decidido interditar parte da terra yanomami para proteger a população indígena, em 1982, e depois montar o Parque Indígena Yanomami, em 1984.

Apesar de uma ação governamental para evacuar os garimpeiros, no início dos anos 90, extração ilegal de ouro continuou na área. Em 1993, a ação criminosa de um grupo de invasores resultou na morte de 16 yanomami, na região de fronteira da Venezuela com o Brasil, no episódio que ficou conhecido como Massacre de Haximu.

Cinco garimpeiros foram condenados por genocídio pelos assassinatos, em 1996, naquele que foi a primeira condenação deste tipo de crime no Brasil.

*Colaborou Ana Graziela Aguiar-Repórter da TV Brasil

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