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No Piauí, a empresa que sucumbiu à insegurança jurídica


Nos últimos dois meses, o governo do Piauí fez um road show pela Faria Lima, em São Paulo, em busca de investidores para a PPP Saneamento Rural Piauí. O Estado era considerado referência em parcerias público-privadas, mas o desdobramento da PPP Piauí Conectado levanta dúvidas sobre os riscos do negócio.

A PPP de internet gratuita, fechada em 2018 entre o Estado e a Globaltask, empresa com sede em Cuiabá, no Mato Grosso, foi encerrada de forma unilateral no fim de março deste ano. O governo decretou a caducidade do contrato. E, sem receitas, a Globaltask entrou com pedido de recuperação judicial (que ainda está sob análise da Justiça).

Embora o saneamento básico seja um dos projetos de infraestrutura que estão atraindo mais investidores desde a aprovação do marco legal, o NeoFeed ouviu de fontes do mercado que o desenrolar da PPP com a Globaltask deixou um “gosto acre com a insegurança jurídica e as decisões intempestivas do Estado”.

Mais de um investidor disse: “como colocar dinheiro lá e justificar para o investidor?”. Em um espaço de três meses, o governo do Piauí decretou a intervenção – a primeira do poder público no setor de telecomunicações desde a privatização nos anos 1990 – na Globaltask, ignorou decisão favorável à empresa em um tribunal de arbitragem e colocou fim no contrato sem concluir o processo administrativo para investigar a companhia.

Criada para construir uma rede de fibra óptica para os 224 municípios do Estado, a Piauí Conectado foi assinada na gestão do então governador Wellington Dias (PT), atual ministro do Desenvolvimento Social. O contrato inicial de R$ 214 milhões ganhou um aditivo e passou a ser de R$ 396 milhões, o que ampliou o número de cidades (eram, inicialmente, 101) e o prazo para 30 anos.

Entre 2018 e o fim do ano passado, a Globaltask, que atua na construção e a implantação de redes de dados em estados como Tocantins e São Paulo, já tinha aportado R$ 250 milhões no projeto – além da prestação de serviço, a infraestrutura instalada virou um ativo do Estado.

Ao ajudar a tirar o Piauí da lista de pior internet do Brasil, Edson Ribeiro, presidente da Globaltask, recebeu o título de cidadão teresinense em fevereiro de 2023 das mãos do presidente da Alepi, o deputado Franzé Silva (PT), que disse na ocasião que “é um título para alguém que se prestou a levar desenvolvimento para regiões distantes da sua”.

Mas essa conexão foi interrompida bruscamente. Segundo o NeoFeed apurou, os problemas entre a Globaltask e o Estado começaram, justamente, na transição de Dias para Rafael Fonteles (PT), que assumiu o governo do Piauí em janeiro do ano passado.

Os relatos ouvidos pelo NeoFeed dão conta que Fonteles, então secretário da Fazenda do governador Dias, se desentendeu com Ribeiro durante a pandemia de Covid-19.

Nesse período, o secretário convocou o presidente da Globaltask para negociar a troca do índice de correção do contrato, que estava atrelado ao IGP-M. O Estado propunha o IPCA em razão da situação de emergência financeira provocada pela pandemia.

Nos anos de 2020 e 2021, o IGP-M acumulou altas de 23,14% e 17,78%, respectivamente. No mesmo período, o IPCA foi de 4,52% e 10,06%. Mas o pedido de Fonteles foi recusado por Ribeiro, segundo fontes contaram ao NeoFeed.

Pouco antes de assumir a cadeira no Executivo, Fonteles levantou dúvidas sobre a transferência da infraestrutura das redes de fibra óptica para o Estado até o fim do contrato, em 2048. Em reunião a Globaltask também questionou o cumprimento de prazos e a prestação de serviços.

Ao assumir o governo do Piauí, uma das primeiras medidas de Fonteles foi rever o contrato da PPP com a Globaltask. E no seu terceiro mês de mandato – poucos dias após Ribeiro ter recebido o título de cidadão teresinense – houve uma redução de 65% do valor do pagamento mensal à concessionária.

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Edson Ribeiro (à esq.),com o título de cidadão teresinense junto ao deputado Franzé Silva (PT)

A medida desencadeou um imbróglio legal, com ações de ambas as partes. Mas eles voltaram à mesa de negociação, em uma tentativa de acomodar os interesses do Estado e da empresa.

Na renegociação, a Globaltask exigia o pagamento acima de 75%, embora uma das saídas apontadas seria aceitar em torno de 55%, rolar dívidas, renegociar com fornecedores, mas continuar recebendo do Estado. Insatisfeito com as ofertas, o governo decidiu que pagaria somente 35% do valor do contrato.

Como o governo chegou a essa conta? A administração pública diz ter identificado que a Globaltask estava destinando apenas 35% do investimento para a construção da infraestrutura (Capex) e 65% eram direcionados para o custo da operação (Opex).

O embate entre eles caminhou para a mediação do Tribunal de Arbitragem na Câmara de Comércio-Brasil-Canadá (CCBC), com cada uma das partes escolhendo um árbitro. Por unanimidade, a Globaltask saiu vencedora. O governo do Piauí não aceitou a derrota e recorreu à Justiça Estadual, que derrubou a decisão do tribunal arbitral.

O caso escalou e a Globaltask recorreu ao Tribunal Regional Federal, onde obteve decisão favorável. O governo do Piauí levou a decisão para o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No STJ, embora o ministro Og Fernandes tenha decidido manter a intervenção estatal na Globaltask, a presidente Maria Thereza de Assis Moura cassou a decisão do colega e determinou que os administradores da empresa retomassem suas funções – os interventores poderiam continuar na empresa para checar os números, mas sem poderes administrativos.

Em 21 de fevereiro, o diretor-presidente da SPE Piauí Conectado, Emerson Silva, e o diretor Leonardo Charcas, indicados pela Globaltask, foram impedidos por seguranças de entrar no prédio localizado no bairro Vermelha, mesmo com a decisão da presidente do STJ em mãos.

O governo do Piauí novamente ignorou a decisão e decretou a caducidade do contrato com a Globaltask em março deste ano. Para o Estado, há um superfaturamento de R$ 104,5 milhões na PPP Piauí Conectado.

Além do Estado do Piauí e da Globaltask, a PPP Piauí Conectado, formada por uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) criada especificamente para esse projeto de fibra óptica, tem credores.

Um dos principais é o fundo de investimento em direitos creditórios (FIDC) da JiveMaua Investiments, que comprou os créditos a receber pela concessionária e vinha financiando a expansão da infraestrutura. À medida que as fases do projeto iam sendo cumpridas, novos recursos eram liberados.

Mas, como o governo cessou os pagamentos para a Globaltask, o fundo JIF Créditos FIDC acionou o poder público em busca de ressarcimento. Um arresto nas contas do governo do Estado do Piauí no valor de R$ 65 milhões foi pedido no Tribunal de Justiça de São Paulo.

Como o processo de recuperação judicial corre sob sigilo, a Globaltask não pode se pronunciar.

Procurada, a JiveMaua não se manifestou.

O governo do Piauí não respondeu o pedido de entrevista até o fechamento desta reportagem.





Fonte: Neofeed

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